Um projeto de pesquisa e extensão da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) pode ser a resposta para o dilema da pesca da tainha em Florianópolis. Os pesquisadores cultivam a espécie em cativeiro, com a intenção de fortalecer a pesca sustentável, reinserindo os peixes cultivados no mar, e incentivar o cultivo da tainha. É a modernização da pesca artesanal, praticada na Ilha desde o tempo do Homem do Sambaqui.

Tainha cultivada em cativeiro, nos tanques do Lapmar, da UFSC – Foto: Acervo Lapmar/Divulgação/ND
A equipe comandada pelo doutor e engenheiro em Aquicultura Caio Magnotti produz tainhas e sardinhas em cativeiro. A tecnologia é estudada no Lapmar (Laboratório de Piscicultura Marinha) da UFSC.
“Tudo começou na década de 1970 com algumas experiências do professor Edemar Andreatta. Nos últimos anos trabalhávamos muito com linguado e robalo. Há cerca de 10, 15 anos, amos a cultivar também a sardinha e a tainha. A ideia é inserir as espécies no mar e auxiliar os pescadores a aumentarem as cotas de pesca, assim como auxiliar aqueles que queiram produzir os animais em cativeiro”, explica Magnotti.
Atualmente, a produção do Lapmar fica em torno de 20 a 30 mil juvenis por ano – juvenil é o termo usado quando o peixe está em seu segundo estágio de crescimento, após ar pela fase de larva e antes de chegar a forma adulta. Tal produção é destinada exclusivamente a pesquisas e ciência. “Mas temos capacidade de produzir muito mais, de 100 a 150 mil juvenis por ano”, diz Magnotti.

Produção do Lapmar fica em torno de 20 a 30 mil juvenis por ano – Foto: Acervo Lapmar/Divulgação/ND
Todo esse excedente poderia ser reinserido no mar, como forma de recompensar a pesca. “Para isso acontecer é preciso uma série de autorizações dos órgãos ambientais. Temos apresentado o projeto às autoridades e tentando buscar a viabilização”, acrescenta.
No final de abril, a ideia foi discutida na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina) e com o Secretário Executivo de Aquicultura e Pesca do Estado, Tiago Bolan Frigo.
Porque tainha e sardinha?
“O robalo e a garoupa, por exemplo, são espécies carnívoras, top de cadeia. Para alimentá-las em cativeiro é preciso uma ração mais cara, a base de óleo de peixe. Isso encarece a produção. Já peixes como a tainha e a sardinha são onívoros, mais fáceis e com um custo mais barato de cultivo”, explica Magnotti.
Ele também destaca que o cultivo dos dois pescados é sazonal. Ou seja, quando começa a safra da tainha, no inverno, a sardinha para de se reproduzir, e vice-e-versa. “A tainha se reproduz de maio a outubro, ela precisa do frio, águas com temperatura mais baixa, para desovar, enquanto a sardinha tem seu ciclo reprodutivo de outubro a maio, com águas mais quentes”, comenta o pesquisador.

Doutor e engenheiro em aquicultura Caio Magnotti é o responsável pela pesquisa – Foto: Acervo Lapmar/Divulgação/ND
O processo de cultivo começa quando os pesquisadores retiram os peixes adultos da natureza e, em cativeiro, fazem a reprodução assistida. Depois o animal é cultivado até a vida adulta, para então se reproduzir mais uma vez, gerando assim novos peixes que podem ser reinseridos no mar.
“Há iniciativas como a nossa no mundo inteiro, mas em países como Espanha, Taiwan e Israel – maior produtor de tainha do mundo – só é feita a engorda do peixe em cativeiro. Isso porque eles têm dificuldades no processo de desova, o que não acontece em nosso laboratório. Estamos à frente, trabalhamos com uma tecnologia mais sustentável. Já temos peixes na quarta geração”, acrescenta o pesquisador.
Tecnologia exportada a outras cidades e estados
Além de atender aos estudos dos universitários da UFSC, a produção em cativeiro de tainha e sardinha abastece projetos de pesquisa em outras cidades.
“Exportamos nossa tecnologia e peixes para programas parceiros como os da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) em Penha, da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina) em Laguna, projetos da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), da FURG (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) e de algumas fazendas em Mossoró, no Nordeste”, informa o doutor.
Para o estudioso, uma das dificuldades de cultivar tainha e sardinha em cativeiro é fazer com o que o pescador mude a cultura da pesca para o cultivo sustentável.
“Na região ainda não assistimos ninguém que faça este cultivo em cativeiro – ela pode ser criada também em tanques de água doce – por conta do antagonismo entre a agricultura e o pescador. Ele colhe e a gente cultiva. A pessoa que a vida inteira pescou não vai querer cultivar o peixe por dois anos para então comer ou comercializá-lo”, lamenta.

Em 2022, mais de 144 mil tainhas foram capturadas em Florianópolis – Foto: PMF/Divulgação/ND
Entretanto, a sabedoria do pescador tem sido uma ferramenta importe nas pesquisas. “O que eles falam sobre os ventos e as correntes marítimas têm sido fundamental nos estudos. Essa partilha de conhecimento é muito interessante”, diz o pesquisador.
Safra da tainha deve ser tardia este ano
Magnotti comenta que neste ano as tainhas devem demorar a chegar no litoral catarinense. “Isso porque a temperatura da água ainda está muito alta, cerca de 22°C, 23°C, o que atrasa a maturação, que deve acontecer mais para o mês de julho, com águas em torno de 21°C”, analisa.

Integrantes do projeto do Lapmar fazem inseminação artificial nos peixes – Foto: Acervo Lapmar/Divulgação/ND
Entenda a restrição da pesca da tainha em 2023
Desde 2018 o governo Federal ou a impor regras para a pesca da tainha. Um sistema de cotas foi implementado para os três tipos de pesca: a artesanal, de arrasto, e industrial. Nos últimos anos algumas cotas foram extrapoladas e após dados coletados na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, considerada o berço da tainha, o Ministério da Agriculta e da Pesca decidiu proibir a pesca industrial neste ano. As demais modalidades seguem mantidas, por meio de cotas. Pescadores, sindicatos e autoridades ligadas à pesca tentam reverter a decisão.
Confira dados da pesca da tainha nos últimos anos
Floripa 350
O projeto Floripa 350 é uma iniciativa do Grupo ND em comemoração ao aniversário de 350 anos de Florianópolis. Ao longo de dez meses, reportagens especiais sobre a cultura, o desenvolvimento e personalidades da cidade serão publicadas e exibidas no jornal ND, no portal ND+ e na NDTV RecordTV.